Meu nome é Rubia Gruber, tenho 49 anos, sou graduada em Letras, Pedagogia e pós graduada em Docência na Educação Básica. Leciono em um colégio particular pago em Rio Negrinho, uma cidade de 40 mil habitantes no planalto norte catarinense onde estamos mais próximos de Curitiba, a capital do estado do Paraná do que de Florianópolis, a capital do nosso estado de Santa Catarina.
Quando o Fabio Von Der Liebl do site DCommX de Londres, na Inglaterra, e meu querido amigo, me chamou para dar esse relato de estreia para o quadro Carta Aberta do site sobre minha experiência como professora de uma cidade do interior em meio à pandemia, muitas coisas vieram à minha mente: medo, angústia, falta de competência para enfrentar algo que não tínhamos a mínima noção do que seria.
Pois bem, no dia 16 de março eu estava na varanda da minha casa com o meu filho esperando o transporte para Joinville, este seria o primeiro ano de faculdade dele, mas foi aí que a primeira frustração veio, recebemos um e-mail da universidade dele, a Univille, informando o cancelamento das aulas presenciais até segunda ordem. Foi de cortar meu coração ver nos olhos dele um sonho tão esperado, e pelo qual ele já lutou tanto, sendo adiado.
"Foi de cortar meu coração ver nos olhos dele um sonho tão esperado, e pelo qual ele já lutou tanto, sendo adiado."
Do dia 16 passamos para o dia 18 de março, quando a diretora da escola nos chamou e nos comunicou presencialmente que à partir do dia seguinte ficaríamos em casa por um mês, até que tudo estivesse bem. E assim, no dia 23 de março o sistema de ensino responsável pelo material da escola começou a disponibilizar aulas online. O material é o mesmo disponibilizado para os alunos tanto na forma física quanto na digital. Mas não foi satisfatório porque percebemos que os alunos sentiam a nossa falta, sentiam falta dos professores deles, então as coordenadoras pediram que iniciássemos a gravação de vídeos para eles, e com isto veio um momento de muita insegurança. Talvez não para os professores mais jovens e para aqueles que lecionam em faculdade, mas para mim, que trabalho numa cidade do interior de Santa Catarina a vida toda, as primeiras semanas foram de muito estresse, porque aulas online eram uma novidade para mim e não uma novidade muito agradável. Tive dificuldade em me adaptar com a plataforma implementada e para enviar as atividades do primeiro mês. Mas apesar de tudo também foi uma fase de grande aprendizado.
Os dias foram passando e o medo da covid-19 foi aumentando, seguimos com aulas gravadas, mensagens de alunos e dos pais deles pelo WhatsApp em horários impensáveis. Depois da meia noite, nos finais de semana inteiros, enfim, pensava-se que a professora era alguém que precisava ficar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana!
"pensava-se que a professora era alguém que precisava ficar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana!"
Nestas horas acho que os pais esquecem que os professores também precisam de descanso para dar conta de tudo, desse novo formato de aulas e da nova relação com os alunos que mudou drasticamente. E lembrando que tivemos que aprender tudo já na prática. Sem tempo para um treinamento adequado já que a doença não espera e não para. Entendo também que alguns pais de alunos trabalham o dia todo e por isto a necessidade de fazer as atividades com os filhos pequenos depois do horário de ensino e por isto algumas das interrupções ao nosso tempo de descanso.
Então veio a necessidade das aulas ao vivo, a contratação de uma plataforma e com ela a dificuldade de entendimento do funcionamento, uma dificuldade maior ainda com os problemas com a internet da casa de cada família já que nas cidades do interior ainda não temos internet de qualidade e com preço acessível. Fez-se também necessário a preparação de provas nessa mesma plataforma, o que gerou mais estresse até que tudo foi compreendido. E infelizmente sem controle de pesquisa paralela durante as provas (em um mundo com tantas telas e google para estas pesquisas), temos que confiar nos alunos e principalmente fazer com que compreendam que o aprendizado individual é essencial.
Ao passar dos dias o cansaço mental foi aumentando e a vontade de desistir era algo muito presente, imagina, desistir depois de 24 anos nesta profissão? O suporte da família e do colégio foi fundamental. A soma do cansaço mental, aumento do trabalho burocrático, atender 18, sim, 18 grupos de Whatsapp. O fato de estar trabalhando em casa, o que me fez trabalhar ainda mais pois gosto da casa sempre organizada e não conseguiria lecionar sem estar com tudo em ordem. Me sentia sempre exausta!
Aí chegamos no mês de junho e outro grande baque, meu cunhado testou positivo a covid-19, nos primeiros dias parecia tudo bem, porém na segunda semana ele já estava na UTI entubado, ficou lá por 21 dias, o medo de perde-lo era constante. E surgiu então a preocupação em saber se também já estávamos com o vírus. No último domingo de junho eu passei mal, tive sintomas da doença, fraqueza, falta de olfato e paladar, meu marido teve muita tosse , mas como na época a recomendação era ficar em casa se tivéssemos sintomas, assim fizemos. Passada a quarentena meu marido fez o teste e deu negativo. E durante esse tempo as aulas online continuaram normalmente, não contei a quase ninguém sobre meus sintomas, apenas pedi que meus familiares e amigos não viessem na minha casa pois não estava me sentindo bem.
Foram dias difíceis, tive estes sintomas por 10 dias, mas continuei trabalhando, com sorrisos inventados para meus queridos alunos, pois eu não queria que nada desse errado para eles. Leciono as turmas do Fundamental 1, 2 e Ensino Médio, meus alunos tem entre 6 e 17 anos. E dos sintomas as vezes ainda sinto muito cansaço, mas nada preocupante.
"Foram dias difíceis, tive estes sintomas por 10 dias, mas continuei trabalhando, com sorrisos inventados para meus queridos alunos, pois eu não queria que nada desse errado para eles."
No vigésimo dia de UTI do meu cunhado, o médico pediu que os familiares repetissem o teste, pois ele já apresentava melhoras e não estava mais entubado então poderia receber visitas. Foi então que ficamos sabendo que éramos positivos a covid-19 e já produzíamos anticorpos. Passado o susto, é vida que segue com a graça e proteção de Deus. O que ajudou muito também foi o fato de que a internação dele foi coberta pelo plano de saúde. Não posso nem pensar quanto teria custado se a família tivesse que pagar o tratamento particular. Também saí de lá ainda mais aliviada ao saber que já tinha anticorpos. Porém ainda assim, só saio de casa com máscara e geralmente só para ir ao mercado. Saí com amigas duas vezes apenas desde então, e vejo muito pouco meus familiares.
Já estávamos preparados para retomar as aulas no dia 3 de agosto, porém mais uma vez seguindo as regras do governo do estado, isto não aconteceu, e assim seguimos com várias datas de retorno não realizadas, sempre por ordem do governo. Ao longo de tudo isso as consequências começaram aparecer, aumento de peso, irritação com as pessoas que estavam ao meu redor, insônia, dores na cervical, enfim, eu sabia que precisava de ajuda. Não sei dizer ao certo o quê é, mas os últimos quatro meses foram os piores, apesar de todos os exames de laboratório apresentarem resultados dentro dos parâmetros da normalidade. Por isto no final de outubro consultei o cardiologista e agora com a ajuda de um antiansiolítico já estou me sentindo um pouco melhor.
O que espero agora é que com a chegada das férias eu consiga ter um pouco mais de tranquilidade para que em 2021 possamos voltar com energias renovadas e esperar pela cura dessa doença que além de prejudicar fisicamente os que são contaminados, prejudica psicologicamente toda a população mundial.
"Tenho muita esperança, acredito veemente na ciência."
Acredito também que crescemos muito no uso de tecnologia e que isso será um diferencial para o ano letivo de 2021. Nosso colégio oferecerá um sistema híbrido, que ficará a cargo da escolha dos pais. Mas infelizmente nos dias de hoje a educação passou a ser terceirizada, ou seja, a escola que dê um jeito. Não é generalizado, porém, uma grande fatia da sociedade pensa dessa forma. As dinâmicas precisaram ser reinventadas a cada dia, pois motivação é algo que precisamos construir, ainda mais quando se fala de adolescentes. Sempre falo para os meus alunos é que “tudo o que se faz com amor fica bom”, e que eles escolham uma profissão que primeiro os faça feliz e só assim serão realmente realizados.
Um abraço fraterno com o desejo de um Feliz e Abençoado Natal e Ano Novo.