LISBOA RECEBE EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA DE ALAIR GOMES
O artista é considerado um dos melhores fotógrafos de nus masculinos do mundo
REDAÇÃO BAZAAR 24/10/2019
Victor Drummond, de Lisboa
Portugal recebe pela primeira vez uma das exposições mais vanguardistas de sua cena cultural: o vernissage da exposição “Erotic Icons: fotografias de Alair Gomes – coleção de Renata Phoenix“, que acontece de outubro ao final de dezembro no Coletivo 284, organizado pela plataforma Lisbon Friendly.
A exibição tem curadoria do jornalista e publicitário Victor Bhering e do diretor de arte Fabio Von der Liebl, sócios da Drummond Comunicação, agência com uma área que produz eventos culturais e artísticos. Os dois são também curadores do Coletivo 284, que sedia a mostra, um espaço premium único de economia colaborativa em Lisboa, repleto de obras de arte e esculturas de artistas famosos; um mix de escritórios de profissionais criativos (publicitários, jornalistas, designers, arquitetos, artistas, diretores de arte), com uma galeria de arte, um showroom com apresentação de mobiliário assinado por importantes marcas e designers de Portugal, Espanha, Itália. Conta também com um teatro, camarim, sala de jantar, cozinha gourmet funcional. Lugar para trocas intelectuais, criativas, palestras e espetáculos de música, dança e teatro. “Se queres ir rápido, vá sozinho. Se queres ir longe, vá em grupo.” Este é o lema do espaço.
“Desde a primeira vez que o Victor me apresentou a obra de Alair na Fundação Cartier e depois a coleção da Renata Phoenix, sabia que precisávamos trazê-la para o Coletivo 284.”, comenta Von.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Alair Gomes foi professor e crítico de arte. Ele foi um grande intelectual e autodidata em várias áreas. Mas atualmente seu nome é muito conhecido pela força de seu trabalho fotográfico, principalmente pelas fotos de corpos masculinos seminus, tiradas nos anos 70 e 80, com carga homoerótica. Hervé Chandès, diretor da Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, afirmou, em 1991: “Em nus masculinos, não há nada hoje comparável no mundo da fotografia ao trabalho deste brasileiro”.
Suas obras, a maioria com corpos e nus masculinos, num verdadeiro exercício de traduzir o corpo em uma arquitetura erótico-poética, fazem hoje parte do acervo permanente da Fundação Cartier, em Paris, do MOMA, em New York, da Fundação Itaú Cultural e do Museu de Arte de São Paulo (MASP), no Brasil e da Fundação Loewe, na França.
Alair quando morreu em 1992 (assassinado por um de seus “modelos”, que normalmente ele abordava na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, e os levava para seu apartamento), deixou mais de 15 mil fotografias reveladas e 150 mil negativos. “Ele era um inquieto descobridor e explorador de corpos. “O resultado de seu trabalho é forte, mas ao mesmo tempo estético, escultórico e poético.”, comenta Victor Bhering.
Erotic Icons
“Erotic Icons – Fotografias de Alair Gomes”, que o Coletivo 284 apresenta agora, é a maior mostra de caráter comercial do artista realizada até hoje na Europa. Pelo fato de todo o seu acervo ter sido doado pelos seus herdeiros para a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – o que também garantiu sua integridade -, são raras as obras de Alair que surgem no circuito de arte para serem adquiridas por colecionadores.
A mostra, que agora poderá integrar outras coleções, exibe fragmentos das séries Symphony of Erotic Icons, 1966 – 1978 e Viagens [Europa, Arte], 1969. Essa última trata-se das fotografias de estatuárias greco-romanas realizadas na sua primeira viagem à Europa, que o levaram a trocar a escrita literária dos seus Diários Eróticos pela representação via fotografia. Mais tarde, a estética clássica que sublinha a força e a virilidade do corpo masculino serviria de referência para os retratos dos garotos nus e seminus.
Symphony of Erotic Icons foi a primeira composição sequencial realizada por Alair, entre 1966 e 1978. Considerada sua obra-prima, é dedicada totalmente ao nu masculino e compreende um conjunto de 1.767 fotografias. A série é estruturada em cinco movimentos: Allegro, Andatino, Andante, Adagio e Finale. Para Alair, a construção desse universo fotográfico almejava “transcender a sua personalidade”, criando um estado quase religioso, de devoção ao corpo masculino.
Alair Gomes – a coleção Phoenix
“Conheci Maurício Bentes quando ele expunha seu “Cavalo Luz” no MAM-RJ. Uma peça de alegoria de escola de samba que havia sido resgatada do lixo e transformada completamente: o corpo recebeu uma camada espessa de resina e restos de folha de ouro; a cabeça, amputada, foi substituída por um elmo, um ‘capacete’ de ferro… rasgos no metal em forma de raios deixavam vazar a luz que havia por dentro. Um imenso tubo também de ferro, com os mesmos rasgos vazados de luz, saía de uma parede e entrava pelo ânus do cavalo, saindo pelo falo… Fiquei maravilhada. Era teatral, um cenário pós-moderno, dramático, erótico, devastador. Eu tinha ideia de levar um texto transfigurado de Rimbaud para o teatro e aquele cavalo contracenaria perfeitamente com a poesia rimbaudiana. Procurei Maurício e foi o começo de uma amizade incrível, que duraria para sempre. Ele dizia que seria como eu, se escrevesse; eu dizia que seria como ele, se esculpisse. O projeto de Rimbaud ganhou outros sketches, outras ideias de cenários e esculturas. E, numa das versões, o espetáculo ganharia, de fundo de palco, um “patchwork” de pedaços de corpos apolíneos… com o trabalho daquele fotógrafo de quem ele tinha sido muito amigo e era curador testamentário, pós-morte. Meu queixo caiu quando vi as imagens. E Maurício tinha milhares delas, numa caixa imensa que ficava na sala. Doava generosamente as fotos, para quem o visitasse e quisesse. Para mim, disse: ‘pegue o que quiser, o que achar interessante para o nosso Rimbaud’. Preferi a série Symphony of Erotic Icons’, que eram partes de corpos masculinos divinizados pelo olho de Midas de Alair. Maurício se foi cedo, muito antes de materializarmos todos aqueles projetos mágicos, megalômanos e mirabolantes. Mas Alair ficou, de herança dele, para sempre. Muitos anos depois, é tempo de celebrá-lo como um dos maiores fotógrafos do nosso tempo: corajoso, furioso, prolífico, controverso, instigante. Maurício ficaria feliz de ver. E eu, bastante orgulhosa em trazer à luz minha coleção preciosa, surpreendente, com fotos nunca vistas.”, conta Renata Phoenix, a colecionadora brasileira que traz a exposição para Lisboa.
Sobre o Lisbon Friendly
Ainda em fase de desenvolvimento, Lisbon Friendly é uma plataforma criativa que reunirá em um aplicativo e em um website, informações, serviços, dicas culturais, programações e serviços para a comunidade LGBTQIA+ de Lisboa. “Nossa proposta é reunirmos em um único lugar tudo aquilo que este público tão conectado com o mundo e com o que acontece de melhor na moda, no design, artes, cultura e gastronomia procura. Claro que haverá conteúdos específicos para os membros da comunidade LGBTQ, mas também para os simpatizantes da causa. Porque afinal, Lisbon Friendly prega justamente isso: a inclusão e respeito; estamos a nos conectar com seres humanos. Isso é o que importa, não é?”, explica Paulo André, um dos executivos por trás do projeto.
Coletivo 284: rua das amoreiras, 72A, Lisboa, Portugal. Até 3 de dezembro de 2019
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ATUALIZADO EM 30/10/2019